CARTA ABERTA AO CÚPULA DO MERCOSUL- FEVEREIRO 2014

Aos Senhores Presidentes e Senhoras Presidentes dos países membros do Mercosul,

Com a maior consideração:

Os signatários abaixo, cidadãos e organizações sociais, nos dirigimos a vocês com o propósito de manifestar inquietudes ante o processo de negociação em curso entre o Mercosul e a União Europeia para a efetivação de um amplo acordo econômico e comercial, que está ocorrendo de forma altamente reservada.

Em função da ausência de transparência, nos preocupa que a pressão de grupos minoritários de interesse, a falta de estudos e debates públicos ou ainda o mero desconhecimento de alternativas e consequências por parte dos negociadores podem conduzir para um acordo contrário aos propósitos do desenvolvimento econômico independente. É isso o que proclamam os governos, defendem de forma reiterada os povos e se destaca de forma orgulhosa no antecedente de unidade histórico do Mercosul quando rechaçou uma proposta de acordo similar, a ALCA com os Estados Unidos, em 2005.

Mesmo que não se denomine o acordo como de “livre comércio” (TLC), mas sim de “cooperação econômica” (ACE), como é possível reconhecer em muitos recentes entendimentos entre países centrais e periféricos (Norte-Sul), o uso de eufemismos não esconde que, se não forem tomadas cautelas imprescindíveis, poderia se chegar a um compromisso desequilibrado entre regiões com desenvolvimento e competitividade muito distintas.

Tememos muito que, apesar de poder fazer algumas concessões marginais ou realizar promessas, a União Europeia seguirá sustentando subsídios e mecanismos de proteção ao seu setor agrícola. Assim, se privaria os países do Mercosul de poder alcançar o benefício comercial mais importante, em troca de uma abertura inédita massiva dos mercados locais a uma competição com uma economia mais desenvolvida, sobretudo para muitos produtos industriais e serviços, com algumas salvaguardas circunstanciais. Repetiria-se, em um grau maior, um cenário de graves desequilíbrios que observamos hoje na própria Europa, em função das assimetrias entre os países do norte em relação aos do sul e do leste, mas também no Mercosul, entre países e regiões com distinta envergadura econômica.

Sabemos que a aproximação Mercosul-União Europeia não constitui somente uma negociação comercial, mas sim que a maior parte dos temas em discussão são de caráter estrutural e comprometem o conjunto da economia em aspectos críticos tais como: serviços, patentes, propriedade intelectual, compras públicas, investimentos e competição. A eventual atribuição do tratamento de “nação mais favorecida” aos países da UE, mesmo com a inclusão de salvaguardas de exceção, enfraqueceria os muito proclamados objetivos de defender e priorizar o fortalecimento de empresas regionais e a diversificação de matrizes produtivas, propostas defendidas em muitas de vossas manifestações públicas. Mesmo que continuassem os discursos pró-indústria, isso inibiria para os países do Mercosul estratégias e políticas públicas elementares de desenvolvimento econômico, utilizadas historicamente também pelos países europeus, tais como: substituição de importações, prioridade para as compras nacionais, oferecer créditos diferenciados para o desenvolvimento de regiões ou setores nacionais mais desfavorecidos.

É preciso contrapor a prática dos ultimatos (do tipo: afirmar que se deve negociar agora ou nunca), possíveis manobras (como eventuais ameaças de propor negociações “multiparte” de forma independente, tal como fez a Comunidade Andina, para romper a unidade do Mercosul), ou a simples distorção da realidade (por exemplo, não se esclarecendo que as consequências econômicas reais da finalização de preferências alfandegárias por parte da UE a partir de 1º de janeiro para Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela, serão marginais e podem ser assimiladas sem dificuldade).

Assim, para decidir que tipo de entendimento com a Europa é possível e conveniente para o Mercosul, resulta imprescindível que vossos governos convoquem imediatamente a mais ampla participação democrática para a análise e o debate dos efeitos estruturais de curto e longo prazo – gerais, nacionais e setoriais – e se coloquem na mesa alternativas superadoras de negociação.

ASSINATURAS